terça-feira, 31 de maio de 2011

Ela "faz" decoração!





...Ela sobe com leveza na escadinha suja com respingos de tinta, apóia o tecido estampado - o qual eu jamais compraria; e vai deslizando e colando com paciência sobre o pilar ressaltado da sala branca recém pintada. Parece feliz! Eu, na penumbra do meu quarto, escondido pelo vidro da janela, acompanho cada evolução dos novos moradores do apartamento do prédio ao lado. Pela movimentação, parece um casal, que aos poucos vai decorando a seu modo, seu novo canto para viver. Algumas plantas artificiais aqui, mais um pilar decorado ali - desta vez com um tom de vermelho forte, e finalizado com dois quadrinhos de moldura branca e desenho comum, provavelmente comprados numa loja de departamentos qualquer. Pronto! Chega a "sala de jantar", com tampo de vidro e pés de madeira tabaco (último modelo), que é coroada com um arranjo feito com fruteira de metal e esferas diversas, de madeira, vidro, resina...sei lá mais de que! De fato a decoração tem gosto duvidoso, mas que reflete a cada dia e cada gesto que acompanho na penumbra da minha janela, a felicidade em cuidar e arrumar o seu lar. Os dias passam, hora ele está na rede da sacada, ela vendo tv no sofá da sala. Noutra, jantando na nova mesa de jantar, sorrindo, papeando, e sempre olhando ao redor, como que comentando as evoluções da decoração feita com tanto esmero. Quer saber: o apartamento já começa a parecer lindo e bem produzido, pela simplicidade, pelo toque pessoal, e mais ainda pelo semblante de felicidade que eles transmitem habitando aquele novo espaço. Penso então: será que meu cliente que pagou uma fortuna naquela poltrona italiana está feliz? E aquele outro, com aquela invejada vista para o mar, tem momentos de contemplação de sua cara e bela decoração? Nem sei responder, mas sobre meus novos e desconhecidos vizinhos, posso deduzir que estejam bem, tranquilos e felizes em seu canto, que agora já me parece um palácio de alegrias, ainda mais quando enchem a casa com amigos e parentes aos fins de semana. Gargalhadas e música contagiantes - ainda bem que têm bom gosto musical.


No livro Arquitetura de Felicidade, do escritor e filósofo suíço, Alain de Botton, ele menciona a seguinte frase: "Ao construir uma casa ou decorar um cômodo, as pessoas querem mostrar quem são, lembrar de si próprias e ter sempre em mente como poderiam idelmente ser. O lar, portanto, não é um refúgio apenas físico, mas também psicológico, o guardião da identidade de seus habitantes."


Então, não basta ter uma casa, um belo projeto, uma invejável vista, se não for construído um lar. E nenhum arquiteto, decorador, designer, por melhor e mais premiado que possa ser, conseguirá produzir as emoções que os habitantes do espaço tem como responsabilidade impregnar. Um lar é feito de satisfação, alegria e realização por cada conquista, pelo acolhimento, e por cada detalhe que reflete a persnalidade do ser. A nós profissionais, cabe apenas a tarefa de projetar este lugar que ganhará a verdadeira beleza, a vida real e o sentido de viver. Somos vendedores de sonhos, que começam num rabisco de papel, e se concretizam com a aceitação e compreenção dos clientes. Que possamos traduzir esses sonhos, e entregar nas mãos e no coração de seus sonhadores...

2 comentários:

edunga disse...

Oi Daniel, parabéns pelo novo blog, pelo jeito ele vai nos dar bons momentos de degustação. Adorei a narrativa dos seus vizinhos e os questionamentos, sempre penso como é bom vivenciar a casa de forma plena, com catarses que vão desde do momento que entra na rua e vê sua casa ou prédio, até os momentos de intimidade guardados por portas e janelas que deixam passar nesgas de sua vida quase privada. Um grande abraço meu amigo e como vc mesmo diz 'adoro'...

Daniel Vinhas disse...

Amigo, que bom que vc gostou. Lembrei que vc tbm leu este livro... Adoro mesmo! hehehe